terça-feira, abril 22, 2014

Meu nome não é Patrícia

      Já imaginou ter um nome e ser chamado por outro a vida inteira? E que tal saber que se tem duas idades diferentes? Não são coisas que acontecem com todo mundo, pois as exceções são raríssimas. Valéria Kiota, filha de pais lituanos e dona de brilhantes olhos azuis é uma dessas exceções.
Ela nasceu no ano de 1937, mas seu pai a registrou apenas um ano e dez dias depois do seu nascimento. É por isso que ela brinca, até hoje dizendo que comemora dois aniversários por ano. “E aceito dois presentes”, emenda.     
      Valéria viveu sua infância no bairro do Bom Retiro, e aos treze anos mudou-se com a família para o Parque Rodrigues Alves, na Zona Norte de São Paulo. Apesar da idade, possui um grande senso de humor e incontáveis histórias que surgem no meio da conversa. “Quando meu pai comprou um rádio, eu já tinha uns cinco, seis anos. Era uma caixa enorme, um trambolho. Sabe o que eu fazia? Ia atrás do aparelho pra saber onde é que estava o homem que estava falando. Vê se pode?”
Pegando um pão de queijo recheado sobre a mesa, solta o seu sorrido: “Eu não sou mineira, mas amo um pão de queijo”.               
       Enquanto come seu pão de queijo ela conta que mesmo criança começou a trabalhar com costura para ajudar os pais. E não se arrepende momento nenhum de seu passado. “Comecei a trabalhar e fiquei muito feliz. Até fui até registrada, porque naquele tempo os menores de idade tinham que pedir autorização do juiz para trabalhar. Acabei me aposentando muito cedo. E até hoje costuro para algumas clientes.” Valeria continua apaixonada pela costura. “Só tive uma boneca na vida. Guardei até quando me casei, em 1953. Minha brincadeira preferida era costurar sapatinhos de retalhos para a boneca. Coisa que hoje já não se vê por aí.”       
      Depois de muitos pães de queijo, a conversa começa a ficar estranha e Valéria aparece com uma história inusitada sobre seu nome. Diz que se chama Valéria, mas na verdade, é conhecida pelo bairro inteiro como Patrícia. “Deixa eu te explicar”, adianta-se. E vai contando: “Quando eu nasci minha avó queria que minha mãe colocasse o nome de Patrícia. Minha mãe respondeu: ‘Não, a filha é minha e eu vou chamar Valéria’. E eu fui registrada como Valéria, mas minha avó nunca deixou ninguém me chamar assim. Exigia que me chamassem de Patrícia. Para não contrariar, minha mãe ficou quieta. Apenas dizia: ‘bom eu registrei como Valéria, o nome que eu queria que ela se chamasse. Agora a senhora chame de Patrícia ou como quiser’ Fiquei Patrícia lá em casa.
       E a coisa não para por aí. Valéria, ou Patrícia, ou como queiram, acabou se casando e assumindo o nome do marido, o japonês Sérgio Kiota. Tiveram duas filhas, Agda e Simone. Agda morreu com 24 anos, quando dava à luz à uma filha. Hoje, Valéria cuida de oito netos. O mais velho é Mauro, que tem 23 anos e o mais novo, Guilherme, onze. “Quando eles eram pequenos não era nada fácil. E eu passei por tudo isso sem estar preparada. Mas graças a Deus, estou aí com a minha turminha e logo chega um bisneto, o Pedro.”  
       Valéria, ou Patrícia se declara são-paulina e não perde um jogo do Brasil. Está ansiosa pela Copa do Mundo. “Gosto de ver um bom jogo, sabe? Gosto de assistir. Um jogo bem jogado com a bola rolando no chão.” Também gostava de Fórmula 1 e não perdia uma corrida até quando Ayrton Senna morreu. 
Há 36 anos ela mora na Parada Inglesa e seu maior sonho é viajar para a Lituânia, Grécia e Egito. Exatamente nessa ordem. “Quem sabe você não ganha na loteria e me dá de presente?”, brinca comendo o último pão de queijo que sobrou no prato.  
       E aqui se encerra um pouco da  inusitada vida da Patrí... ops Valéria.    
 
Por Isabela Guimarães

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