sexta-feira, março 08, 2013

“Eu vou, eu vou pra...



...C
âmara Municipal de São Paulo, eu vou.”
Sexto andar. Saindo do elevador à esquerda, final do corredor, porta à esquerda. Sarah da Silva Santos, a secretária, começa a coletar meus dados para que eu possa entrar no gabinete. Às 3 horas em ponto, entra pela porta um senhor com cerca de 1,90 de altura e com a voz grave cumprimenta as cinco pessoas ali presentes. Momentos depois, Sarah diz que posso entrar e com um largo sorriso, o vereador Wadih Mutran pede para que eu sente. E começa a gravação.
- Sarah? Manda fechar a minha porta aqui e não passa telefone pra mim que eu vou estar gravando aqui, tá? Obrigado.
Bacharel em Direito, Wadih Jorge Mutran, 76 anos, nasceu em São Paulo. Na vida já fez de tudo. Foi engraxate, jornaleiro, feirante, motorista de caminhão, corretor de imóveis... e após essa imensa jornada, no dia 31 de dezembro completará 30 anos como vereador. E apesar de todo esse tempo ainda descreve os fatos como se tivessem ocorrido ontem.
“Hoje eu tenho na casa 29 anos, 4 meses e 25 dias. 1º de Janeiro de 1983! Foi a minha primeira legislatura de 6 anos e eu vou completar 30 anos dia 31 de dezembro de 2012.”
Enquanto atuava como corretor de imóveis, interessou-se pela política e  começou a trabalhar para diversos políticos, tais como Ademar de Barros, Cantídio Sampaio, Farabolini Júnior, Paulo Salim Maluf e até mesmo o 22º presidente do Brasil, Jânio Quadros. Aos poucos começou a se tornar mais ativo até que entrou no PP (Partido Progressista). Em 1980, foi convidado para participar da eleição que foi prorrogada, acontecendo em 1982.  Foi candidato e ganhou a primeira eleição. Depois disso não perdeu mais nenhuma.
Em sua vida sempre teve responsabilidades. Trabalha desde os 6 anos de idade. Sua infância foi muito difícil, por isso trabalhava de engraxate para ajudar o pai. Com 13 anos foi registrado na primeira empresa. “Móveis de Aço Fiel.” Lembra o vereador com certa nostalgia na voz.
Uma de suas curiosas profissões foi motorista de ambulância. Esse emprego surgiu enquanto trabalhava como motorista de caminhão e arranjou uma vaga à noite no Departamento de Imigração do Estado. Nessa época ser vereador nem passava por sua cabeça, mas sempre dizia que o dia em que tivesse dinheiro iria comprar uma ambulância para ele. E assim o fez.
“ E eu comprei uma antes de ser vereador. E eu dava plantão com essa ambulância só pra trabalhar de sábado e domingo na Via Dutra, entre a Ponte da Vila Maria até Guarulhos. Eu ficava por ali. O que acontecia eu levava pro hospital que tinha na Avenida Guilherme Cotching, na Vila Maria. Fechou aquele hospital. Mas eu socorria e levava ali. Ora, mas a gente atendeu muita coisa... e aí, vinha um, pedia um favor, vinha outro, eu comecei atendendo, atendendo. Fui candidato, ganhei a eleição, aí comprei mais uma, pus motorista e fiquei atendendo o povo.”
O senhor Mutran é conhecido como o “Vereador das Ambulâncias”.  Possuía uma frota de ambulâncias, usadas no transporte de moradores da Zona Norte para hospitais da capital. No entanto, ele não pôde ter as ambulâncias como vereador. Sofreu uma condenação por ter a ambulância em seu nome, tendo que pagar 120 cestas básicas. Mesmo com toda essa confusão, montou uma empresa e a dona é sua esposa, Iracema Mutran. Ao longo do tempo, a frota foi aumentando e chega ao número seis. Quem dirigia a primeira ambulância era ele próprio. Quando se tornou vereador, contratou um motorista. “Mas às vezes de noite, eu tinha que sair, porque o motorista só trabalhava durante o dia, de noite eu não podia acorda-lo para ir. Ele precisava descansar porque no outro dia tinha compromisso. E também não era uma coisa assim muito constante, mas já aconteceram várias vezes.” Em 30 anos, foram emprestadas aproximadamente 10.000 cadeiras de rodas, 350.000 cadeiras de banho, além de muletas, andadores, etc.
Ao ser questionado sobre a área de atuação (apenas na Zona Norte), ele conta que os bombeiros têm 150 ambulâncias e não conseguem atender a todos. O mesmo acontece com a Prefeitura que possui mil ambulâncias e o Estado com aproximadamente quinhentas. Com apenas seis, a atuação teve que ser limitada a um espaço. As áreas incluídas são: Vila Maria, Parque Novo Mundo, Vila Sabrina, Jardim Brasil e uma parte do Jaçanã, Vila Guilherme e Vila Gustavo.
“Mas lutei, lutei e agora eu quero ajudar quem não pode!”
O Comitê do vereador recebe a população que é diretamente atendida por ele. Os pedidos são os mais variados e até mesmo dinheiro aparece nessa lista. Um dos pedidos mais marcantes foi o de uma senhorita que queria se casar, mas seus documentos estavam no Norte do país. O escritório providenciou todos os papéis e a história terminou com um final feliz.
Wadih Mutran adora ser vereador. Acaba gastando mais com a população do que ganha com o salário de político. “Se eu fosse vereador por dinheiro eu tinha que ir embora. Quanto mais eu puder fazer, mais eu vou fazendo.” E emenda, entre risos, que sua saúde está ótima! “A saúde é o principal. Eu não tenho problema de doença, né? Não tenho nada. Tenho 76 anos de idade, to bem, to trabalhando. Sou aposentado há 33 anos por tempo de serviço e continuo trabalhando. E é maravilhoso. Eu me dou bem, me sinto bem. Não vivo acabado por aí, sem andar, arcado. Eu ando normal! Pra mim isso tudo é ótimo. Vale muito fazer isso pra mim. Eu to te falando que eu tenho problema de não ouvir. E às vezes eu falo alto, mas o que é que eu vou fazer? Sai! Sem querer sai, é normal. Você vê que eu falo alto, né? Eu queria que me curassem, porque eu também sou meio surdo, você já viu várias vezes que eu perguntei: “Hã, hã?”.(Risos) Porque eu também não to escutando bem, mas e a idade, né?”
Conversamos sobre seu relacionamento familiar. Sobrinhos, cunhados, filhos. Todos são muito especiais e incentivam sua vida política. Mostraram-se atenciosos no delicado caso de 2006 do sequestro de seu filho, o advogado Ricardo Mutran. Foram 39 dias, quase sem dormir e de sofrimento, sentados em uma mesa com o telefone ao lado, esperando uma ligação. Nesse momento, Wadih Mutran teve medo que matassem seu filho. Apesar de tudo, no cativeiro Ricardo teve um “bom relacionamento” com um dos assaltantes. “O rapaz que trabalhava de carcereiro, que tomava conta dele, foi no supermercado e viu uma senhora paraplégica numa cadeira de rodas doada pelo vereador Wadih Mutran. Ele leu e começaram a sair lágrimas dos olhos. ‘Poxa, o que tão fazendo com esse homem? Ele não merece. ’ E ele chegou lá e contou pro meu filho. Ele ficava sem o capuz lá. O cara levava a roupa do meu filho pra mulher dele lavar, trouxe coberta pro meu filho se cobrir, foi época de frio. Aí o cara trouxe baralho, ele falou: ‘Pai, eu nunca perdi tanto na tranca que nem eu perdia pra ele, porque eu perdia de propósito, jogava a carta errada, só pra ele ganhar e ficar rindo de mim!’
Apesar disso, para Ricardo ser liberado, uma grande quantidade de dinheiro foi entregue em troca. “Se eu não tivesse o dinheiro, iam matar ele e eu tava sem o meu filho hoje. O que que valia a minha vida?”
O grupo não foi punido, pois os indivíduos não foram identificados. Ao contar sobre um dos três assaltos em sua casa, onde 5 ladrões fizeram reféns os que estavam ali presentes, desabafa indignado: “Quando eu fui na frente da justiça, parecia que o bandido era eu! O juiz falou pra mim que eu devia responder o que ele perguntava. E eu falei pra ele: ‘Olha excelência não é o que o senhor pergunta, é aquilo que eu sei que eu vou responder’. Ele respondeu: ‘O senhor cala a sua boca senão eu mando lhe prender. E está encerrada a sessão’.  Foi embora.”
Mutran também critica a forma que a penalidade é aplicada no Brasil. Apoia que a Constituição tem que mudar. Ele diz que na hora da população votar, devem escolher candidatos que prometerão mudar a Constituição. “O bandido tem que trabalhar... eles não trabalham, ninguém trabalha! Põe pra carregar pedra na beira da estrada, põe a bola de aço no pé põe pra trabalhar, capinar beira de estrada, dá um salário pra ele ajudar a família. E infelizmente são essas coisas que o Governo e os políticos deveriam olhar no sentido de procurar alguma coisa pra esse pessoal fazer. Não adianta só dar, tem que fazer trabalhar também. O que precisar tem que trabalhar. O bandido roubou? Foi pra cadeia? Ele que tem que trabalhar pra comer! Se não trabalhar, não come. Morre de fome! Essa é minha opinião.”
Opinião que, ao longo do tempo, torna-se cada vez mais forte. Aliás, nunca em sua vida se arrependeu de nada. “Nem no meu casamento houve arrependimento! Eu vou completar agora no fim do ano 56 anos de casado. Graças a Deus. E eu falo sempre: “Se quando eu morrer tiver outra vida e eu encontrar com a minha mulher eu quero casar com ela outra vez! E ela merece mais parabéns que eu, do tanto que ela me atura! (Risos)
A relação entre o Sr. e a Sra. Mutran é caracterizada por ele como maravilhosa. É uma vida que é difícil de ser encontrada hoje em dia. A juventude está muito diferente da de antigamente segundo ele. O relacionamento com os jovens de hoje está se tornando cada vez mais difícil. A televisão é um desses fatores negativos em uma relação familiar.
“Acabou a família. E você sabe o que eu percebo? Tem dia que não dá vontade de ir na casa de uma outra pessoa. Você entra na sala eles ligam a televisão. Parece que ninguém tem mais nada pra conversar.  Antigamente a gente conversava com os filhos, falava das coisas, explicava... não tinha a televisão, tinha o rádio. Mas primeiro a família. Hoje é a televisão. Todo mundo chega lá, liga a televisão... é televisão pras crianças das 8 às 10 da noite, que ensina um monte de besteiras.
Por isso que o cara casava e vivia 40, 50 anos até a mulher morrer. Hoje você casa por dois minutos! Aprendeu na televisão como é que é. Porque nas novelas é tudo assim. Casa hoje, amanhã tá separado. Ensina!”
Sem perder o tempo da piada, completa: “Vê lá que ele ficou rico, ela ficou rica separando... e a esperança da separação é sempre essa.”
O bom humor durante a entrevista não acabou por um minuto sequer. Ao nos despedirmos, tratou de deixar claro que as portas estariam abertas para qualquer eventualidade. Uma semana depois do encontro, recebo uma carta contendo os seguintes dizeres: “Prezada jovem e futura jornalista, é com grande satisfação que escrevo estas linhas para agradecer sua visita ao meu gabinete. Agradeço ainda pelo interesse e confiança em meu trabalho e por ter escolhido este vereador para ser entrevistado como uma pessoa que faça a diferença”.
Talvez o verdadeiro sentido da vida não seja apenas beneficiar a si mesmo. Com pequenas atitudes podemos fazer um pequeno momento se tornar especial à outra pessoa. E ao fim dessa matéria posso afirmar com toda a certeza que esta jovem futura jornalista está no caminho certo. Encontrando pessoas que façam a diferença na vida de outros milhares.


Escrito por Isabela Guimarães

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