sexta-feira, março 08, 2013

Mineiro Maluquinho

  “Me acham doido. E eu sou mesmo. Muito demais da conta”

Hiperativo, disléxico e taquicardíaco. Filho de um filósofo e uma pedagoga, esse mineiro é Felipe Martins. Com 27 anos de idade, estuda psicopedagogia há 5 anos. Já perambulou pelos cursos de publicidade e propaganda e educação física, porém os abandonou antes que completassem um ano cada. Estudou budismo, taoismo, hinduísmo, mitraísmo, iorubá e judaísmo, mas não segue nenhuma religião. Trabalhou na Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) como assistente de manutenção durante 10 anos. Aos 18, fez um curso de Barman e trabalhou em Maresias, Litoral Norte de São Paulo. O ritmo era puxado. Saía de Bela Vista, Osasco, na sexta-feira e voltava na madrugada de segunda, direto para o trabalho. Depois de 4 anos, abandonou o emprego. E essa série de desistências aconteceu por causa da necessidade de mudança que a hiperatividade exige. “O comportamental eu consigo controlar, mas no fisiológico eu sinto toda a agonia. Tem o lado ruim. Às vezes atrapalha porque você não precisa dessa disposição toda. Mas você simplesmente tem. O lado bom é que eu tenho a disposição que quase ninguém tem. É difícil alguém me acompanhar. Desde pequeno.”
           Felipe sofre com a hiperatividade desde os 6 anos e começou cedo com a medicação de tarja preta. A Ritalina é o medicamento usado para tratar déficit de atenção com hiperatividade e depressão. Na época, o remédio não era tão conhecido, e hoje, o Brasil é o segundo país que mais consome Ritalina, perdendo apenas para os Estados Unidos. Em excesso pode provocar insônia, perda de apetite, dores de cabeça, convulsões e até mesmo viciar o usuário. Felipe chegou a tomar quatro pílulas por dia quando criança. Felizmente, sua psiquiatra suspendeu o uso mês passado, já que ele está conseguindo controlar a ansiedade.  
           Entrou na escola um ano mais cedo do que deveria, pois precisava fazer atividades que ocupassem seu tempo. Ainda era pouco. Então começou com o Kung-Fu. O treino era pesado, mas também não era o suficiente. Vieram o karatê, o judô, a natação, o inglês e o skate. Todos ao mesmo tempo. Quando tinha 8 anos, o circo chegou à cidade e Felipe se apaixonou. Até hoje se lembra dos movimentos de malabares. Entretanto, seu pai sempre odiou essa relação com circo com a luta. Isso fez com que ele estreitasse a relação com o pai. Os dois brigavam e a mãe chorava. Os problemas familiares foram se acumulando e ficando guardados.  
          Em 2009, sua psiquiatra interrompeu a medicação pela primeira vez. Ele ainda tinha atitudes de adolescente. Era rebelde e arrumava confusão. Saiu de casa várias vezes brigado com os pais. Por puro azar, o momento mais doloroso e marcante de sua vida aconteceu nesse período de abstinência: a ex-namorada de Felipe se matou.
A jovem, que era enfermeira e veterinária, aplicou uma injeção de uma substância venenosa na veia e os músculos atrofiaram, mas não antes de escrever uma carta ao namorado. “Ela deixou uma cartinha super amorosa pra mim e eu fiquei doido, doido, doido. Fiquei totalmente psicótico”.
           Felipe começou a ter alucinações auditivas e visuais que aumentavam a cada dia. Ele a via em todos os lugares. “Eu pensava nela o tempo todo. Sempre via a cabeça dela passando nos lugares. Ouvia a voz dela me chamando”.            
Desenvolveu Síndrome do Pânico, que durava minutos intermináveis. Durante uma dessas crises, uma pessoa tem os batimentos cardíacos alterados, falta de ar e tremores, fazendo com que a ansiedade e o medo aumentem nas crises seguintes. E foi o que aconteceu. O rosto das pessoas se transformavam no dela e qualquer barulho intenso, como uma buzina de carro, se tornava a voz feminina. “Tudo eu achava que ia me infringir algum dano. Então eu transformava aquilo em algo que fosse me ferir”, conta. Acabou sendo internado em um hospital psiquiátrico para que recebesse os devidos cuidados.
           Geralmente associamos hospitais psiquiátricos à filmes de terror, com corredores escuros e pacientes sangrentos. Felipe diz que lá era totalmente diferente. Um campo claro, com muitas árvores. Os pavilhões eram divididos por patologia e possuíam dez quartos cada. Os quartos eram acolchoados e individuais, para que nenhum paciente se machucasse.
           Ficou lá durante um mês e uma semana. Tomou até choque. Como mágica, nos três primeiros dias já tinha recuperado sua lucidez. Percebeu que a condição dos outros pacientes era muito mais grave que a sua. Quando saía do quarto escuro e passeava pelas instalações, via cenas atordoantes. “Quando eu via as pessoas, eu ficava chocado. Vi crianças de 12, 13 anos batendo a cabeça nos lugares. Vi crianças descascando e comendo a massa da parede. Vi pessoas esfregando as mãos umas nas outras até sair sangue. Aí eu acho que fui dando valor a vida”.  
           Na segunda semana tentou fugir. Pulou os quatro muros que cercam o lugar e foi pego no último. “Pulei, pulei e tive que voltar”, ri. “Foi aí que eu comecei a ter a percepção de que, se aquilo era uma buzina, era só uma buzina. Claro, agora eu entendo isso. Agora eu também posso compreender que não foi o suicídio dela que me deixou louco, e sim um monte de bagunça na minha vida que eu tinha que por em ordem, mas vinha postergando, postergando e não resolvendo nada”.          
           Quando voltou para casa, ficou decidido que a relação familiar teria que mudar. Toda a família foi ao mesmo tempo na psiquiatra, por três vezes. Não foi uma boa ideia e brigaram em todas as sessões. Individualmente, tiveram que voltar nas relações que machucavam. O percurso foi difícil, principalmente para Felipe e o pai, já que o laço entre os dois estava desgastado e frouxo. Durante cinco meses, o clima não foi dos melhores e tudo só foi totalmente resolvido em janeiro desse ano.        
          Hoje, ele se identifica com as histórias dos pacientes que atende. Alugou um espaço perto do Shopping Continental, Jaguaré, e recebe desde crianças até adultos. “E eu me identifico. Eu vivi esses problemas. Claro que não todos. Mas me identifico com o sofrimento e não com o problema em si. Cada um tem um problema diferente do outro, mas o sofrimento é semelhante. É o fato de se sentir isolado, se sentir pior, se sentir abaixo.”
          E apesar de lidar com a tristeza dos outros todos os dias, Felipe colocou na cabeça que está determinado a ajudar, a fazer com que as pessoas acabem com os bloqueios que as impedem de serem felizes. “Você tem que dar possibilidades para a pessoa. Não dá para você resolver o problema de ninguém, mas sim, dar a condição para a mudança. Eu acredito que todo mundo tá disponível para qualquer coisa”.

Por Isabela Guimarães

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